O aspecto teológico e social da CFE 2021

O aspecto teológico e social da CFE 2021[1]

Por: Kinno Cerqueira [2]

A Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) 2021 é uma colcha entretecida por fios coloridos e diversos. Hoje, tocaremos brevemente em dois desses fios: o teológico e o social.

Quando observamos cuidadosamente esses dois fios, percebemos que eles se apresentam tão entrelaçados, que não é possível separá-los, embora teimemos em distingui-los para, assim, melhor compreendê-los – em condições reais, o teológico é social e o social, teológico.

À medida que eu deslizava minhas mãos sobre esses dois fios e tentava compreender suas amarrações e seus arremates, percebia que esses dois fios da CFE, o teológico e o social, dão muito o que pensar e o que fazer. Todavia, para não nos demorarmos demasiadamente em divagações, decidi apresentar-lhes o que me subiu à mente em duas despretensiosas teses, uma para cada fio, seguidas, respectivamente, de brevíssimas anotações: 1) tese sobre o fio social: a CFE 2021 é uma contracampanha; 2) tese sobre o fio teológico: a CFE 2021 é uma teologia da paz.

A CFE 2021 como contracampanha. Desde 1500, estas terras que chamamos de Brasil gemem sangrando sob a Campanha da Perversidade. As etapas dessa Campanha da Perversidade podem ser distinguidas de diversas formas. De maneira provisória, eu lhes sublinharia quatro fases dessa Campanha da Perversidade: 1ª) a colonização; 2ª) a escravidão; 3ª) a ditadura militar; e 4ª) o bolsonarismo.

Em todas essas fases, houve movimentos de resistência e, entre uma fase e outra, existiram curtos intervalos de abrandamento das perversidades. A CFE 2021 insere-se na tradição dos movimentos de oposição à Campanha da Perversidade que, diga-se de passagem, sempre contou com o apoio majoritário das igrejas cristãs.

A CFE 2021 como uma teologia da paz. Nas entrelinhas do texto-base da CFE 2021, nota-se um esforço por recuperar e atualizar uma das tradições bíblicas mais fundamentais: o sonho da paz. Por um lado, a CFE 2021 desmascara e repudia a falsa paz, aquela que é a tranquilidade dos que se regalam à custa da exploração do povo e da terra e que sempre contam com a bênção das igrejas para a lubrificação de seus instrumentos de perversidade, quais sejam, o antropocentrismo, o patriarcado, a heteronormatividade, a misoginia, o racismo, a homotransfobia… Por outro lado, a CFE 2021 resgata e apresenta criativa e comprometidamente o shalom bíblico, isto é, a paz como construção da harmonia cósmica a partir da justiça (Is 32,17).

A Bíblia, no lugar de conceituar o shalom, pinta-o com palavras: as nações e os povos convertendo “suas espadas em relhas de arado e suas lanças, em podadeiras” (Is 2,4), o lobo e o cordeiro habitando juntos, o leopardo e o cabrito dormindo lado a lado, o leãozinho e bezerro vadiando juntos, a vaca e a ursa dividindo a mesma campina e suas crias dormindo juntas, a criança de peito brincando à entrada da toca da cobra e a criança pequena guardando sua mão no interior da toca da serpente… e ninguém faz mal a ninguém (Is 11,6-9).

E se a CFE proclama que “Cristo é nossa paz” (Ef 2,14), é porque reconhece Jesus de Nazaré como um ser humano que, por ter vivido radicalmente essa tradição do shalom, nos aparece como uma grande inspiração a que também nos convertamos em construtores e construtoras da paz.

Como esses dois fios da CFE 2021, o social e o teológico, não se arrematam nem se amarram em um só ponto da colcha, contento-me em terminar dizendo que esses dois fios da CFE 2021 são fortemente fracos e fracamente fortes para alinhavar sonhos e entretecer um mundo novo, a começar por nós.

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[1] Texto apresentado como mote para uma roda de diálogo durante encontro do CEBI Metropolitano do Recife, em fevereiro de 2021.

[2] Kinno Cerqueira é pastor batista, biblista e assessor do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) na área de estudos bíblicos.

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