Nós percebemos, nós aprendemos…

Por Sebastião Catequista.

Essas linhas tecem um olhar. Um olhar que tem seu lugar de fala no Cebi Quarto Sábado. Um grupo de Estudos Bíblicos do Cebi totalmente online e que acontece uma vez por mês durante toda manhã. Seu núcleo está situado no Recife e teve a iniciativa de Ir. Adélia da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora (Salesianas) e João Luiz Correia Júnior professor da UNICAP e assessor do CEBI PE. O grupo que se reunia na Sala do Cebi com a pandemia passou a ser virtual e alcançou um público considerável. Daí o grupo se tornou “universal” dado acolher pessoas de vários Estados além dos participantes do nosso próprio Estado e Capital. A experiência tem sido muito feliz e tem levado o nome do Cebi e seu jeito de ser e ler a Bíblia com um olhar bem pernambucano que se mescla a tantos outros olhares inclusive internacional. Mas, vamos ao assunto…

O que tenho a lhes contar? O grupo passou o ano estudando sobre Jesus e a Política. Isso mesmo! A partir da chave “política” fizeram o exercício de ler Jesus, sua pratica e sua mensagem sob a ótica da política. Foram muitos diálogos, análises, escutas, leituras, um olho lá na época e contexto em que Jesus estava inserido e outro no que estava acontecendo no Brasil. E antes que você imagine que foi uma leitura petista ou esquerdista dos textos bíblicos, advirto que não, pois isso condicionaria a leitura e a experiência sentida e vivida pelo grupo. Mas, sim, foi uma leitura franca, aberta, sincera, em que a política foi levada muito a sério vendo todos os lados em que a questão se aplica. Não era uma leitura ideológica e política com olhar de hoje sobre aquele contexto e personagens, mas uma leitura teológica com chave política. E política em todos os seus sentidos e bem contextualizada. Não foi uma leitura de cá para lá, mas foi uma leitura de lá que consequentemente nos levava a ver o cá de nossa realidade hoje. Era natural que assim fosse, porém despida de traços e vieses ideológicos partidário, foi um estudo honesto e respeitoso com os textos e com cada realidade em si estudada.

Foi uma experiência e um aprendizado de fé e vida. E nesse sentido trago a fala de alguns dos cinquenta e oito participantes dos encontros durante o ano.

Jesus era um homem profundamente humano, religioso, político e comprometido com os destinos do seu povo, sua gente. Essa afirmação é conhecida de todos que um dia navegou em algum cursos bíblico por mais rudimentar que seja. Entretanto, ela tem sabor de fé e de consciência muito forte nos encontros cebianos. Sobretudo quando muitos estão chegando agora, vindos de um contexto em que atualmente o tema política está muito polarizado. Então ver a realidade de Jesus e sua ação aí e comparar com a nossa de hoje em dia, nos abre os olhos para uma jornada extraordinária da fé e da vida.

Sobre isso, é interessante a fala de Marta Eyre que em Irlanda semanalmente se reúne com um grupo de mulheres para a oração, leitura dos textos bíblicos e vivencia cotidiana da Palavra. Ela presente no Cebi Quarto Sábado é uma fiel escutadora e de olhar perspicaz, contata: “Nosso estudo desse ano, sobre Jesus e a politica, me fez refletir e me levou ao encontro de um Jesus, demasiadamente humano; mostrando que o amor de Deus é para todos e que no movimento de Jesus, as mulheres estiveram presentes durante toda sua caminhada. Elas eram fortes e destemidas. Jesus as acolheu, e muitas foram curadas e libertadas, tornando-se amigas fiéis. Jesus, superando todo preconceito e discriminação, transformou-as em discípulas missionárias.”

Percebe o quanto a Marta expressa em sua fala o lado humano e a atitude de Jesus para com as mulheres e de como elas foram empoderadas? A política de Jesus inclui os excluídos da sociedade por sua condição social ou de gênero: pessoas pobres, mulheres que apesar de ter um papel desempenhado não é vista em igualdade pelos homens e seu sistema social e religioso. Jesus as empodera de uma confiança e de uma força que faz a diferença e questiona a sociedade.

Outra fala é de Zacarias Ernani. Ele nos diz: “Os encontros me trouxeram mais clareza da necessidade de conhecer cada vez mais o Jesus histórico, conhecer melhor os textos bíblicos, para que eles sejam fonte de inspiração de nosso dia a dia, inclusive de nossa atuação política. Entender os posicionamentos de Jesus frente à sociedade de seu tempo e lugar nos inspira para atuarmos de forma crítica buscando realizar nossa parte no caminho da construção do Reino de Deus.”

Em sua fala Zacarias destaca a necessidade de ler, conhecer os textos bíblicos e conhecer Jesus em sua realidade histórica que nos inspira uma atuação mais concreta em nossa realidade hoje. Outra fala bem precisa nos é dita por Elba Chagas: “Os relacionamentos de Jesus com as mulheres foram promotores de vida, para elas, para Ele, para a comunidade, onde elas e Ele estavam inseridos. Desde as bodas de Caná, quando sua mãe o inseriu na vida pública, até a crucificação, onde Ele deu a ela um filho, para dela cuidar. Ato político de cuidado, numa sociedade patriarcal e machista. Promover VIDA! VIDA em abundância é um ato político por excelência. Esse foi meu maior aprendizado.” Elba destaca a forma de como Jesus se relacionava com as mulheres e de como Maria, mulher e mãe, o introduz na vida pública com as bodas de Caná. Percebe em Jesus e sua pratica a luta pela vida como um ato político ante patriarcal e machista. Elba tem um olhar sutil e fino sobre os textos bíblicos dos evangelhos e consegue captar o essencial de Jesus em relação às mulheres. Ele as compreende e lhe põe em seu devido lugar: ao lado do homem como companheira, como o quis o divino Criador. Para ela essa política de Jesus traz qualidade de vida para todas/os.

Socorro Alves nos diz em seu testemunho que: “Refletir sobre Política à luz da Bíblia de forma dialogada e partilhada como nos é proporcionado no método de estudo do CEBI Quarto Sábado tem nos levado a questionar sobre o nosso papel não apenas como cristãos, ligados a uma religião ou Igreja, mas também como cidadãos, na construção de um meio mais justo e solidário. As ideias trabalhadas a partir da ótica de Jesus fortalecem a nossa concepções de que não dá para ser seguidor de Cristo indo contra aquilo que ele mesmo pregou e ensinou. Ampliando a nossa visão sobre o aspecto político, este estudo vem cada dia mais fortalecendo os princípios da igualdade. Nunca poderemos nos sentir melhores qualquer que seja a situação. Em suma, este estudo fortalece a nossa fé, e resgata em nós o desejo de irmos sempre além para mantermos vivas a verdade que e a justiça, pregadas no Evangelho de Cristo.”

E Socorro Holanda afirma: “Tema muito rico, atual e oportuno, esse de Jesus e a política. Ele nos fez ver com outros olhos textos que há muito tempo já conhecíamos, porém, nos estudos com o grupo, aprofundamos e sentimos que, Jesus em todas as suas ações foi político, e a sua política foi sempre de inclusão e defesa aos menos favorecidos da sociedade de sua época, vemos também um Jesus muito humano e cuidadoso com todos. E hoje, temos que continuar sua política em nossas comunidades. O ano foi muito proveitoso.”

Em todos esses relatos podemos intuir um aprendizado e uma “nova forma” (que não é nova assim) de enxergar Jesus. Po que “nova”? É que estamos acostumados ver em nossas Bíblias em seus rodas pés e introdução e notas, explicações sobre o contexto político, social e religioso da época de Jesus, mas não víamos ou estávamos acostumados a “ler” Jesus em sua pratica e mensagem de forma “política”. Pelo menos, não tínhamos isso claro em nossos encontros e consciências individuais. Nesse sentido, a Escola Bíblica do Quarto Sábado desse ano de 2022 trouxe para seus participantes um diferencial.

E esse aprendizado nos empodera como discípulos e discípulas, é o que constatamos na fala de Francisca Dias: “Aprendi que Jesus foi um grande político em defesa do povo pobre, seus milagres partiram das vivências comunitárias onde todos aprendiam a seguir seu caminho. Hoje tenho mais segurança para falar da política de Jesus.”

É essa segurança que faz com que mulheres e homens se encontrem em torno da palavra para lhe escutar, para sentir seus “corações arderem” enquanto fala o Senhor. Nesse sentido é muito propício o testemunho de Marlene Conceição que, com outras mulheres de seu bairro e de ruas próximas a sua casa, se juntam uma vez por semana para ler, dialogar, estudar e escutar os textos bíblicos a luz da Leitura Popular da Bíblia, método consagrado do Cebi. Ela nos diz: “Junto com algumas mulheres eu me reúno toda semana para lermos a Bíblia, um estudo simples. O Cebi Quarto Sábado tem sido uma luz que aponta a leitura onde encontrar a política libertadora de Jesus, nas curas, nas parábolas, e descobrir as mulheres no movimento de Jesus foi muito interessante. Ele, Jesus, acolhe as mulheres, chora com as mulheres, fala com mulheres em particular e as liberta em público. A leitura do evangelho de Marcos através do Cebi Quarto Sábado me fez ver que as curas de Jesus é a libertação do povo sofrido, oprimido, excluído. Estou aprendendo a enxergar além do alcance de meus olhos, ou seja além de minha comunidade.”

E Francisco Dias acrescenta: “Com relação aos encontros e os estudos do Cebi, eles me ajudaram muito, principalmente a perceber o homem político que foi Jesus, que sempre procurou proteger e ajudar aos que mais sofrem. Ele além da fé, sempre procurou ajudar a entender que a nossa realidade para mudar depende da nossa participação. E ainda, no Cebi, aprendi a perceber nas pregações dos líderes religiosos do nosso tempo, o uso político da fé, na maioria das vezes a favor dos que detém o “poder”, dando um olhar de conformação ou de revolta, conforme for mais conveniente ao líder.”

E por fim, João Luiz que durante todo o ano foi nosso motivador e facilitador, nos traz uma palavra de ânimo e aponta para um aspecto muito importante da leitura política e bíblica que é cultivarmos uma espiritualidade e mistica que nos mantém na realidade em que hoje se encontra nosso país, uma consciência de resistência em meio aos conflitos. Ele nos diz: ““Aprendi que devemos despertar uns aos outros para o cultivo de uma mística voltada para na autêntica espiritualidade política. Está na hora de superarmos a tradicional espiritualidade intimista, individualista e centrada em nós e em nossa família, apenas. Sem deixar de rezar por nossas relações cotidianas e entes queridos, precisamos incorporar urgentemente a situação do nosso povo em nossa forma de viver a fé, inserida na cidade, no ambiente em que vivemos, em meio aos desafios econômicos, políticos, morais, éticos e culturais. Só assim, “com Jesus na contramão”, seguiremos construindo o Reino de Deus em pleno contexto neofascista autoritário, em que vivemos…”

Dessa forma cultivamos em nós a memória perigosa e transgressora de Jesus enquanto luta pelo reino de Deus que hoje poderíamos dizer em linguagem joanina, vida. Pois é da vida que se trata e se ocupa Deus Nosso Senhor a cada instante do nascer ao pôr do Sol, como nos atesta os Salmos 8 e 19.

Jesus é homem e Deus, mas não um Deus e homem como muitos discursos apresentam por aí, mas um Homem e Deus genuinamente Humano e Divino que como nos atesta o Primeiro Testamento, entra na História, caminha com seu povo e o liberta. Um Deus e Homem político assim, só se ver por aqui: na vida do povo.

Enfim, o Cebi Quarto Sábado, mas sobretudo o tema Jesus e a Política foi um divisor de águas no sentido de ler os textos bíblicos pelos seus participantes que conviveram virtualmente e pelo WhatsApp com suas contribuições e comentários, dialogando sobre dúvidas, textos complexos, trazendo falas de surpresas, fé, indignação, esperanças, criticas, lucidez e compromisso, fortalecendo uma excelente convivência e sadia da fé se posicionando com uma leitura e narrativa critica inclusive da atual situação em que passa nosso país por ocasião do pleito eleitoral de 2022.

O que ficou e o que trago para você leitor? A certeza de que a memória de Jesus está mais viva do que nunca e nos move numa direção: o reino de Deus agora já e ainda não. Ele vem como aquela semente de mostarda, ou como aquela parábola do plantio em que plantamos mas é Deus quem rega e faz crescer, cabendo-nos apenas a certeza de que colaboramos em alguma coisa mas é a iniciativa de Deus, bendito seja, que faz por sua graça a coisa andar, crescer. Assim, o que cada um colheu hoje, e planta em tantos corações, será um dia nas gerações que virão, o que hoje almejamos com tanta fé. E quanto a realidade que aí está vale a palavra de uma das falas dos participantes: resistência e fé. E o que ficou foi mais um grupo de irmãos unidos pelo mesmo ideal. Mas o grupo, a Escola, não acabaram, aqui é só um relato e testemunho de animação. Que em mossas Escolas você que faz parte e você que está chegando possa na convivência, estudos, oração e compromisso com a luta gerar nova vida, vida como a quer nosso Mestre e Senhor.

Que Jesus seja nossa inspiração de resistência e luta!