Como cantar a Deus em terras estranhas: Uma Leitura Popular da Bíblia à luz da imigração

Como cantar a Deus em terras estranhas”

Uma Leitura Popular da Bíblia à luz da imigração:

Salmo 137, 4

Por : Marta Isabel Eyre e Brian Eyre

O número de imigrantes no mundo chega a 272 milhões, aponta relatório da ONU em 2019. Alguns imigrantes chegam para ter e oferecer aos filhos maior qualidade de vida, outros chegam para estudar ou conseguir um trabalho digno e que corresponda aos seus anseios; outros ainda vêm fugindo da fome, da violência, da guerra, em seus países de origem.

De acordo com o objetivo da imigração, podemos dizer que o imigrante tem maiores ou menores condições de superar as dificuldades encontradas.

Como cantar um canto de Javé em terra estrangeira?” (Salmo 137, 4)

Muitas vezes a vida fica estranha para os imigrantes, eles perdem o encanto, a doçura da vida. Muitos perdem sua pátria, sua casa, seus laços familiares. Como cantar em Terra estrangeira os cantos que celebram a conquista da vida, quando são tristes recordações? Seus vínculos foram quebrados, perderam suas raízes.

Alguns desistem de cantar e de sorrir porque estão fazendo o que não gostariam de fazer, têm suas profissões, mas não as praticam, suas vidas foram viradas de cabeça para baixo. Falta para eles o sonho, e esperança.

Os imigrantes precisam de alguém ao seu lado, para andar com eles, sorrir com eles, celebrar suas conquistas, cantar com eles o cântico do Senhor em terra estranha.

Para a maioria a grande dificuldade é a língua, o domínio do idioma. É difícil conversar, entender a cultura de sua nova pátria. Para os mais velhos, a dificuldade é ainda maior.

Todos sentem a insegurança na moradia. A casa onde mora, não é sua, a qualquer momento pode sair em busca de outro abrigo, outro lugar digno para dormir.

É preciso no entanto deixar de morar na saudade, tentar encontrar alguém ou algum grupo para partilhar seus pequenos e grandes sonhos, tentar escutar o Deus de seu coração para ter a coragem de recomeçar.

É necessário reaprender a nova canção e cantar a vida, descobrir as coisas boas de seu novo país, de sua nova família.

Cantar ao Senhor do mundo, ao Senhor da Terra, ao Senhor da Vida, ao Senhor da nova vida.

O imigrante pode encontrar na religião uma fonte de proteção e uma ponte para entrar na nova Pátria.

A relação entre migração e religião é um tema muito importante.

Os debates sobre a inclusão do cristianismo na constituição da União Européia e a questão dos símbolos religiosos na França, as declarações do Papa Bento XVI sobre Islã, o debate sobre a presença de crucifixos em espaços públicos na União Europeia, a polêmica sobre a construção de um centro islâmico em Nova York são eventos e debates que alimentam a reflexão sobre a questão religiosa e a integração dos migrantes. As vezes estes debates são alarmistas e amedrontadores e a chegada de imigrantes muitas vezes é vista como uma ameaça para a identidade nacional.

Mas a vida religiosa do migrante pode ajudá-lo a enfrentar os desafios inerentes à migração na nova terra. A dimensão religiosa pode dar um importante suporte emocional ajudando o migrante a dar sentido a sua nova realidade e ajudando-o a dialogar com a cultura da terra de chegada porque o migrante é obrigado a reinterpretar sua identidade e enfrentar a sensação de desamparo e insegurança. A religiosidade do migrante pode se tornar um recurso para amenizar a sensação de insegurança que caracteriza a jornada de muitos migrantes. O apoio da comunidade religiosa que recebe o migrante é muito importante.

O abandono da terra de origem, de familiares próximos, gera nos migrantes um senso de culpa como se estivessem renegado a própria família. Essa experiência migratória pode fazer o migrante se perguntar “porque eu estou aqui neste novo país?”

A religiosidade pode ser um recurso para resgatar a dignidade do migrante porque as vezes o migrante é estigmatizado como invasor, clandestino, criminoso e aí a importância da comunidade religiosa para acolher o migrante e este acolhimento pode ajudá-lo a resgatar a sua dignidade e autoestima.

Há igrejas que desenvolvem atividades de orientação sobre direitos e deveres do recém-chegado migrante e oferecem aulas onde o recém- chegado pode aprender a nova língua. O tempo que o migrante passa numa aula para aprender a nova língua é importante porque além de adquirir a nova língua ele vai sentir e experimentar que o governo do país ou a paróquia quer o bem dele que alguém se preocupa com ele.

Também a autoestima do migrante é fortalecida quando ele é convidado pela equipe de liturgia da paróquia a fazer uma leitura da Bíblia na missa. A experiência de ler em público é uma experiência muita rica e a religiosidade dele é fortalecida quando ele descobre que ele é capaz de proclamar a Palavra de Deus em público numa nova língua.

Muitas vezes acontece que a pessoa é surpreendida pela vida e passa a ser um imigrante, coisa que não estava em seus planos. Deus tem dessas coisas …. Deus é surpresa, é novidade. No entanto Ele nos dá a certeza que está conosco. “Pode a mãe se esquecer de seu nenê, pode deixar de ter amor pelo filho de suas estranhas, ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você” (Is. 49, 15)

O Espírito do Senhor sopra onde e quando quer. Quanto mais vejo a religião em crise, mais me apaixona o Evangelho, o Jesus encarnado. E na busca de Deus no silêncio, na oração e no encontro com o imigrante, posso encontrar a paz, possibilitando ver as coisas com novo olhar.

Descobrindo a vida nova, podemos dizer como o Salmo 138, 3 “Quando eu gritei, tu me ouviste e aumentaste a força em minha alma”. E a experiência passada é agora aplicada na nova vida onde Deus se apresenta como Libertador.

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*Marta Isabel Eyre e Brian Eyre: Fazem parte do Cebi PE, como membros do Cebi Quarto Sábado sob a orientação e assessoria de João Luiz Correia Júnior. Mesmo por agora residindo na Irlanda, na cidade de Tralee, mantém contato com o grupo de qual acompanha todas as atividades e vivem a mistica da Leitura Popular da Bíblia, onde dá testemunho para pessoas próximas de sua convivência. 

 

Referência

– Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

– Roberto Marinucci – A religiosidade do migrante como fonte de proteção, sentido, dignidade e diálogo

– Gerry Jeffers – Clear vision

– Carlos Carreto – Deserto na Cidade

– Hernandes Dias Lopes – Quando o povo de Deus desiste de cantar

– Silvia Thompson – Voluntária em TIRC (Tralee international resource centre)

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